segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Carta sem remetente


As cartas de amor (“ridículas”) foram oficialmente enterradas sob o primeiro prédio erguido por Bill Gates.

E talvez só aqueles que já estiveram longe de casa saibam bem apreciar uma carta de carinho. Ou, hoje, um e-mail de carinho. De alguém que lembrou. De alguém que sempre festeja a nossa chegada. E com espontaneidade. De alguém que nos quer bem, com sinceridade. Onde for, quando for e como for.

Talvez as cartas tenham mais charme... Tinham de ser escritas uma a uma. Deixavam mais vestígios sobre o estado do remetente e mais marcas a testemunhar o caminho percorrido pelos carteiros.

Mas o desvelo com que escrevo se compara à saudade que compelia nossos avós a disporem de tempo. Tempo para escrever muitas e longas cartas, com LETRA BONITA e em PAPEL PERFUMADO. Tempo para selá-las com ÚMIDOS BEIJOS (e eu digo literalmente, e sem a umidade do gozo da poesia: úmidos eram os beijos com SABOR DE COLA que deixavam, ainda, traços de DNA sobre a carta...). Tempo para ir aos Correios, preencher o envelope, lacrá-lo, enviá-lo e esperar a longuíssima espera da resposta. Era também o tempo de conhecer o carteiro. Tempo de conversar com o funcionário dos Correios. Era o tempo que fazia sentido... Todos os sentidos. Só faltava a voz do remetente. Mas isso era providenciado pela maior nação do mundo: a imaginação. E o e-mail só apela à visão...

Mas eu queria que ao abrir ESSE e-mail, você abrisse também um sorriso. Sem letra bonita ou papel perfumado, “essa carta” vai com desejos de mãe, de vó, de alguém bem querido na família. QUERIDO porque QUER muito. Muito bem aos outros.

Ah, a família... Esses amigos que a natureza impõe. E os amigos? A família que escolhemos! Acho a natureza mais sábia do que nós. Mas, quando a própria natureza já nos considera adultos para escolhermos nossas famílias, temos a procuração da Sabedoria. Significa que já cessou o tempo dos porquês. E assim sendo, que importa saber se nossas maiores bênçãos têm raiz naquelas escolhas pseudo-conscientes ou se nascem do acaso – se é que ele existe?

Já crescemos em maturidade para não termos vergonha de beijar mamãe na porta da escola. Já temos altura para voltarmos a ser crianças e reencontrarmos a poesia da vida.

E falar em poesia... só pode lembrar Vinícius! Sobre os amigos... “porque não os procuro com assiduidade, não posso dizer-lhes o quanto gosto deles. Eles não acreditariam.”

Não acreditam. E como bom “tradutor de gente”, o poeta me reescreve. Sinto, verdadeiramente, essa mesma paixão “derramante”. Por tantos amigos que (nem sabem que) foram feitos família e por tantos familiares (que também não se sabem), meus grandes e amados amigos.

E hoje sei que muitos acham o que escrevo carregado de emoção, exagerado, ou “fora do chão” (quando não, ficção). Mas hoje, também, já não ligo, não. Que eu seja apenas fora de padrão!

Pois, repito, disso também se faz a vida: de imaginação! E eu, verdadeiramente, vivo toda essa desorientação! E isso faz de mim a privilegiada protagonista da minha própria vida. Privilegiada, sim, por sentir tanto assim. Por acreditar tanto assim. Por PRECISAR TANTO ASSIM. DE GENTE.

Quantas vidas abandonam as nossas ou nós abandonamos... E eu me ressinto. Quantas experiências, perdas, enganos, dramas, suspenses e comédias... Mesmo com tantos enredos, a história do meu cinema não tem registros de cadeiras vazias. É que a entrada é franca! E esse teatro sempre há de ser cheio de gente.

E essa gente que me cerca me orgulha. Gente que ajuda a atenuar raivas e medos. Gente que liga, que lembra, mesmo morando do outro lado. Do mundo. Gente que manda e-mail porque nunca tem tempo pra nada. Gente que gosta não só DA gente, mas DE gente. E gente da TROPA DE ELITE, que sempre acha tempo pra nós, e pra quem nós, também, sempre CRIAMOS tempo.

Sei que não deixo claro durante todo o ano o quanto o meu coração é disponível. Mas é um bom momento para lembrar: contem comigo SEMPRE! Eu devo muito a vocês. E é só pra dizer isso que hoje escrevo esse e-mail. É que...

As cartas de amor (“ridículas”) foram oficialmente enterradas sob o primeiro prédio erguido por Bill Gates. Só restaram as cartas ao Papai Noel...
Carolina Sousa Martins
(2008)

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