sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Carnaval de Salvador - A corda da discórdia

(Ivete Sangalo, no 1o. dia do seu bloco, Coruja,
no melhor percurso - Campo Grande,
no Carnaval de Salvador de 2009)


A corda da discórdia

Carnaval de Salvador. Pra quem gosta, mesmo de longe, a manchete é triste. "Cordeiro pede um cigarro e folião reage apagando seu cigarro no braço do pedinte".

Se um folião apaga seu cigarro no braço de um cordeiro, todos somos responsáveis. Bell Marques, Durval Lelys e Ivete Sangalo, entre outros artistas principais dos trios mais disputados do Carnaval de Salvador, têm, na minha opinião, não só a responsabilidade social, que todos nós dividimos, mas a missão de minimizar essas diferenças. Imagine se resolvessem montar a festa de que você mais gosta na vida da seguinte forma: poriam uma corda na sua rua, encheriam de alienígena e ainda contratariam você de fiscal para só deixar entrar quem fosse alienígena e impedir qualquer aproximação de seus amigos e vizinhos? Você participaria ativamente da sua auto-exclusão!

Ivete Sangalo e Timbalada (e, nesse ano de 2009, também o Olodum), oferecem shows sem corda na quarta-feira! Sempre achei isso digno de aplauso. E o povo merece isso. Os cordeiros merecem.

Por que os cordeiros? Porque são SEUS funcionários, Bell, Durval e Ivete, assim como a funcionária da minha casa também merece um tratamento vip da minha parte. Eles vos servem (e NOS servem a todos no Carnaval).

Fosse eu a estrela da festa, ainda daria ao show SEM CORDA um título q homenageasse os cordeiros.

Não pense de outro lado que eu nunca tive problemas com os cordeiros. Pelo contrário. Do lado de dentro da corda, tenho a visão privilegiada da segregação sócio-econômico-racial. Num dos blocos, um cordeiro já quis tomar meu chapéu à força. Em outro, chegaram a abrir a pochete de uma amiga. Em outro, um dos cordeiros foi beijar uma moça acompanhada... Apaixonada que sou pelo Carnaval de Salvador, quando vou, faço papel de associada, mas, junto com meus amigos, faço parte do time que compra água, compra pipoca e tenta tornar a tarefa do cordeiro mais leve, dando o que eles pedem, sempre que possível. E como eles pedem... Eles querem um real, uma moeda, um gole, a fantasia, o abadá...

E quais seriam outros meios de minimizar as diferenças? Que tal aumentar o salário dos cordeiros? Eu não tenho noção de custos, mas então que tal fazê-los se sentir mais gente e menos bicho? Que tal oferecer lanche? Ou pelo menos água? Que tal dar um chapéu legal pra eles? Isso já os deixaria felizes com a fantasia e ainda protegeria do sol ou chuva...

Mas há que se fazer uma análise macro da história do associado que queimou o cordeiro com um cigarro. Não o conheço e TAMBÉM ACHO repugnante a atitude. Mas pense-se que ele poderia ser um dos associados cuja namorada foi desrespeitada pelos cordeiros, cujos amigos foram roubados e / ou cujos efeitos do álcool potencializaram essa reação. Não estou aqui para defender atrocidades. Nada justifica o ato. Mas é preciso lembrar que não foi, certamente, um ato isolado de um monstro. Foi, sim, um ato monstruoso, mas encadeado em um contexto. E um ato que pode se repetir se tudo permanecer como está.

Assim como os cordeiros e, praticamente, todo o lado DE FORA da corda, dirige sua insatisfação com a desigualdade e a exclusão sociais para toda e qualquer pessoa que estiver portando um abadá do Camaleão, do Me Abraça ou do Coruja, entre outros, os associados também têm um sentimento de generalização. Os associados igualmente se sentem impotentes e injustiçados. São também agredidos gratuitamente, são cobrados duas ou até três vezes por um mesmo produto (pois há a concepção geral de que são ricos e isso é justificativa para a extorsão)... E isso gera uma guerra silenciosa. E perigosa.

Queiram ou não, essa desigualdade, por algum motivo que desconheço, foi posta nas mãos de vocês, Bell, Durval e Ivete. Não falo apenas de consciência social. Essa, todos nós temos ou deveríamos ter. Mas como donos dessa empresa do Carnaval de Salvador, foi dado a vocês o poder para solucionar esse “impasse de RH” cujo desdobramento pode findar em efeitos desastrosos para a própria empresa. É preciso que os “reis” e “rainhas” da festa, “baixem decretos” no sentido de minimizar esse desequilíbrio, tendente a atingir um ponto de inflexão que leve a um resultado avassalador.

E, quanto a isso, todos deviam admitir, Ivete Sangalo saiu na frente. Com seu "arrastão" sem cordas. Ou discórdias...

Carolina Sousa Martins

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